terça-feira, 31 de julho de 2007

A EVOLUÇÃO DA TRAÇÃO A VAPOR (continuação)

3. A Ferrovia é anterior às Locomotivas

É interessante comentar que vias férreas (wagonway) já existiam antes da locomotiva ser inventada. A figura mostra uma via de transporte guiado entre a mina de carvão de Little Eaton e o Derby Collery, próximo de Derby na Inglaterra [3], com carroções tracionados pela força do cavalo, o animal que desde os primórdios da civilização foi o principal auxiliar para que homem vencesse distâncias terrestres. Nos vagonetes das minas de carvão, as carroças guiadas sobre uma superfície rígida (de ferro ou madeira) ofereciam uma resistência ao rolamento inferior ao solo (principalmente quando coberto de neve ou lama pelo desgelo).

A solução de tração animal de veículos ferroviários sobreviveu até mesmo quando já existiam as locomotivas, pois antes da eletricidade ser aplicada no transporte público, foram mulas arrastando bondes sobre trilhos que garantiam a mobilidade de milhares de pessoas por dia nas ruas estreitas das cidades que cresciam no século XIX, pelo início da urbanização.

Wagonway ligando a mina de carvão “Little Eaton” ao Canal de Derby

Antes das ferrovias os canais artificiais como alternativa de transporte na Europa, na Ásia, no Novo Mundo e também no Brasil, de forma embrionária, embora não seja muito conhecida a experiência brasileira.

A monocultura açucareira foi introduzida na região de Campos dos Goitacazes em 1750, chegando a Quissamã em 1798, quando foi construído o primeiro engenho junto à antiga sede da fazenda Machadinha. A região chegou a ter sete engenhos e toda produção era transportada em carros de boi até o porto de Imbetiba, em Macaé, onde eram embarcado para o Rio de Janeiro e exportada. Visando aumentar a produtividade, os proprietários decidem pela implantação de um Engenho Central e melhoria no sistema de transporte.

Situação atual do Canal Campos-Macaé
(foto Goreth Kling, Quissmã, 2006)

Pontes ferroviárias interromperam o Canal
(foto: Goreth Kling, 2006)

Ao longo do Canal, antigos casarões da época de ouro do açúcar
(foto: Goreth Kling, 2006)


Em 1843, quando Irineu Evangelista de Souza, o futuro Barão de Mauá, já havia iniciado a construção da sua primeira ferrovia, inicia-se a construção de um canal que teria cerca de 100 km ligando a bacia do rio Paraíba do Sul, em Campos, ao porto de Macaé, passando pela Lagoa Feia , Quissamã, Carapebus e dezenas de usinas de açúcar.

Nesta ocasião, apesar das ferrovias já serem uma realidade em outros países, no Brasil a primeira ferrovia só seria inaugurada em 1854. Portanto o transporte fluvial era uma recomendação correta, além de permitir a drenagem da água alagadiça, onde proliferavam mosquitos.

A construção do canal durou 15 anos, empregando milhares de escravos das fazendas nos trabalhos de escavação, sendo inaugurado em 1861, com movimento crescente até a chegada da ferrovia na região. Esta ferrovia, a Estrada de Ferro Macaé-Campos foi criada pela lei no. 1.464 de 19 de novembro de 1869 e uma concessão com privilégio de 50 anos foi dada em 3 de fevereiro de 1870. Para sua construção organizou-se a Cia. Estrada de Ferro Macaé a Campos, incluindo o privilégio da navegação a vapor entre os portos do Rio de Janeiro e de Imbetiba. Na época este porto era o 5º. em movimentação no Brasil, com todas as mercadorias de exportação e importação circulando pelo Canal Macaé-Campos.

Em 10 de agosto de 1874 foi inaugurado o trecho inicial da ferrovia, entre Imbetiba e Carapebus, com 33 km, passando por Macaé. Em 13 de junho de 1875 o trecho foi completado até Campos, completando 96,5 km de extensão. Repetiu-se o que aconteceu na Europa e nos EUA, quando a ferrovia, com suas locomotivas a vapor, custo operacional baixo, alta velocidade de circulação e qualidade de serviço, comparativamente ao transporte fluvial e animal, aniquilou o tráfego pelo maior canal artificial do Brasil, como fez com a primeira rodovia pavimentada, a União e Indústria, inaugurada também em 1861.

Nem canais artificiais nem rodovias bem pavimentadas para tração aninal conseguiam deter o avanço da novidade em transportes: a ferrovia a vapor.


4. As Primeiras Ferrovias

Sendo a locomotiva uma novidade passível de vários aperfeiçoamentos mecânicos, a partir da Inglaterra logo as ferrovias se espalharam pelo mundo. Na França a primeira ferrovia foi inaugurada em 1832, entre Saint-Etienne e Anfrezieux; na Alemanha em 1835, a Ludwisgsbahn entre Fürth e Nuremburg; na América Latina, a primeira ferrovia inaugurada foi a de Cuba, em 1837, ligando Havana a Guines.

Foi nos Estados Unidos que as ferrovias tiveram seu maior desenvolvimento. Em 1827 a primeira ferrovia americana a Baltimore & Ohio Railroad iniciou sua operação, ainda com tração animal, com a expressão britânica railway americanizada para railroad. Em 1829 a primeira locomotiva a vapor importada da Inglaterra, fabricada pelos Stephenson, trafegou por uma ferrovia americana, na Delaware & Hudson Railroad [4], seguido logo depois por outras ferrovias, como a primeira projetada nos EUA a Tom Thumb, que inicialmente perdeu uma corrida disputada com um cavalo em 1830 [5].

Réplica da Tom Thumb operando no B&O Railroad Museum

Apesar de ter perdido a primeira disputa, o vapor vencia a força do cavalo na economia, comprovando do outro lado do Atlântico uma redução de até 30% nos custos do transporte por tonelada-milha que haviam sido demonstrados pelos diretores da Stockton & Darlington em 1827. Com grandes extensões a vencer, logo os americanos superaram os ingleses, os inventores da ferrovia na extensão de linhas e fabricação de material ferroviário.

Uma interessante interpretação da história, uma disciplina que sempre comporta releituras, justifica o crescimento dos EUA comparado com o do Brasil, partir da correta exploração das reservas de carvão nos Montes Apalaches. Até 1750, época do Tratado de Madri, que estabeleceu novas fronteiras entre Portugal e Espanha, a renda e o conhecimento territorial da América do Sul eram muito maiores do que a renda e o conhecimento da América do Norte, com os americanos restritos às 13 colônias da América Inglesa. A abundância do carvão e a máquina a vapor de Watt, entretanto, tornaram possível se adotar no norte um modelo de negócio diferente da aristocracia do sul, mais voltada para a exploração agrícola com uso intensivo do braço escravo. Devido ao carvão o vapor criou uma nova Revolução Industrial no outro lado do oceano Atlântico [6].

Por uma feliz coincidência, em 1848, no final da guerra dos EUA com o México para anexação de grandes extensões de terras, foi descoberto ouro na Califórnia, que desencadeou uma corrida, atraindo gente de todo mundo. Para os americanos da costa leste, a rota mais segura era a marítima, circulando a América Latina pelo cabo Horn. O Rio de Janeiro era um porto de parada obrigatória, o que ampliou o mercado para produtos industrializados americanos em troca da produção agrícola brasileira, especialmente o café. A chamada Tarifa Alves Branco de 1844 unificara as taxas alfandegárias em 30%, acabado com o privilégio de importação de produtos ingleses, que desde a chegada de D. João VI em 1808 pagavam 15%. Além da diversificação de mercados, esta medida gerou saldos que sustentou por muitos anos o Segundo Reinado e a própria unificação do Brasil através da centralização do poder junto à principal fonte de riqueza: o café do vale do rio Paraíba do Sul.

Enquanto as primeiras locomotivas inovavam nos projetos, os primeiros carros de passageiros mantinham uma nítida inspiração nos veículos do tempo da tração animal, como pode ser visto nas figuras, a primeira mostrando um trem da Mohawk & Hudson Railroad [7] e a segunda uma foto clássica da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Mauá, inaugurada em 30 de abril de 1854, com os carros de passageiros inspirados nas diligencias.

DeWitt Clinton rebocando carros entre Albany e Shenectady, 1831

A locomotiva número 1 Baronesa na inauguração da E.F.Mauá em 1854

Por ter o Brasil ingressado mais tardiamente na era do vapor, a locomotiva Baronesa, fabricada em 1852 por Willian Fairbain & Sons (denominação em homenagem à esposa do Barão de Mauá, o empresário Irineu Evangelista de Souza), assim como a locomotiva Princesa Imperial, fabricada por Robert Stephenson (denominação homenageando a imperatriz D.Tereza Cristina), para a Estrada de Ferro D. Pedro II (EFDPII), inaugurada em 29 de abril de 1858, exibem em comum roda guias menores na dianteira. A Princesa Imperial, embora poucos anos mais nova, apresenta linhas mais modernas, como a cabine para o maquinista e vagão tender. Um ponto comum era chapa de cobertura, como uma espécie de “pára-lamas” sobre as rodas motrizes, que constitui uma diferença mais visível das locomotivas inglesas para as americanas dos primeiros anos da era do vapor.

Locomotiva Princesa Imperial da EFDPII inaugurada em 1858

Em 1860, quando as ferrovias brasileiras engatinhavam, com pouco mais que uma centena de quilômetros, a malha americana já atingia 49.288 km [8], extensão nunca alcançada pelo Brasil. Nenhum outro fabricante mundial de equipamento ferroviário conseguiu a escala produtiva dos americanos.

5. Evolução das Locomotivas

Na Guerra Civil Americana (1861-1865) o objetivo principal era sempre destruir as ferrovias e reconstruí-las foi também o primeiro objetivo quando a guerra terminou. As locomotivas Americans foram as mais utilizadas, tanto durante o conflito como depois na reconstrução, quando o presidente Abraham Lincoln, ao perceber durante a guerra os problemas logísticos decorrentes das 13 bitolas diferentes, determinou sua unificação em todo o território americano.


“General” locomotiva American veterana da Guerra da Civil 1861-65

Foi também devido a Lincoln, que em 1862 durante a guerra, determinou a ligação ferroviária costa a costa, materializada na que é, provavelmente, a fotografia mais divulgada da história ferroviária, a célebre junção, no dia 10 de maio de 1869, em Promontory, no estado de Utah, das linhas da Central Pacific Railroad com a Union Pacific Railroad, a primeira ferrovia transcontinental. Fazem parte da pose de autoridades e operários duas Americans, a da esquerda, chamada Júpiter, com chaminé balão, indicando que queimava lenha e havida chega à costa oeste dando a volta pelo cabo Horn, e a da direita, simplesmente Número 191, com chaminé cilíndrica, indicando que queimava carvão mineral [9].

Duas Americans na primeira ferrovia transcontinental, Utah, EUA, 1869

Nove anos depois, no Brasil, em 1877, na cidade paulista de Cruzeiro, houve também a uma importante junção de ferrovias, mas com bitolas diferentes, pois a linha da EFCB tinha bitola de 1,60m e a linha da EF São Paulo - Rio de Janeiro era métrica. Nenhum presidente da república brasileiro se interessou em unificação de bitolas.

No que se refere às locomotivas de lastro, também no Brasil as práticas Americans, com uma silhueta de inesquecíveis filmes de Far-West, eram as preferidas para obras de construção, como na EFCB no prolongamento para Monte Azul, em meados da década de 1940. Quase um século depois dos americanos terem ligado o país costa a costa, o Brasil estava ainda ligando as regiões Sudeste e Nordeste por ferrovia. Em ambas as Americans posavam para fotos históricas [10].


Valente "American" de novo na linha depois de descarrilada durante as obras

American de Lastro trabalhando nas obras da linha para Monte Azul em 1944

American em plena operação na década 60 do século XX
Os ferroviários da Estrada de Ferro Leopoldina que posam não
imaginam que estão diante de um equipamento concebido em 1837

Quando foi construída a Estrada de Ferro Mauá, em 1854, a tecnologia preconizada pelos ingleses para vencer serras era o sistema funicular, adotado na São Paulo Railway em 1867, entre Santos e o Planalto. Pelo alto custo envolvido, a estrada pioneira finalizou na Raiz da Serra, com 16,3 km de extensão. Chegou a Petrópolis somente em 1884, perto do fim do Império, quando a EFCB já finalizara com a bitola larga em Queluz de Minas, hoje Conselheiro Lafayete, foi que adotando um sistema de cremalheira patenteado em 1863 pelo suíço Niklaus Riggenbach e aplicado pela primeira vez em 1870. A tecnologia foi adotada tanto na E.F. Príncipe do Grão Pará para Petrópolis como na Estrada de Ferro Corcovado, em 1885.

Locomotiva Baldwin no sistema cremalheira Riggenbach, 1885

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Referências Bibliográficas:
[3] Chant, Christopher The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 14.
[4] Idem, p. 20.
[5] Barry, Steve Railroads, the history of the American railroads in 500 photos. Salamander Books Ltd., St. Paul, MN, USA, 2002
[6] Ferreira, Manoel Rodrigues. A ferrovia do diabo. Editora Melhoramentos. São Paulo, SP, 2005. pp. 102-108.
[7] Chant, Christopher The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 22.
[8] Guimarães, Benício O vapor nas ferrovias do Brasil. Editora Gráfica Jornal da Cidade Ltda. Petrópolis, RJ, Brasil, 1993, p. 19.
[9] Barry, Steve Railroads, the history of the American railroads in 500 photos. Salamander Books Ltd., St. Paul, MN, USA, 2002
[10] David, Eduardo Gonçalves A ferrovia e sua história. Edição AENFER-AMUTREM, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1998, p. 75.

4 comentários:

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu

Welber disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Welber disse...

Ótimo post, como todos que tenho visto, aos poucos. Só uma observação, a "American" da Central descarrilada, não é uma "American", ao que parece a rodagem é 0-4-2, tem outro nome. Abraço e obrigado pelo belíssimo trabalho.

Anônimo disse...

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